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Sexualidade, família e gênero: transformações do século XX

Você que nasceu durante a segunda metade do século XX certamente ouviu falar desde cedo sobre sexualidade, se não de forma clara na família (diálogo ainda limitado por certos tabus em pleno século XXI), na escola (presa a um currículo pouco flexível), na Igreja, (enredada em uma doutrina moralista) ao menos no grupo de amigos, ou naquelas conversas que os irmãos mais velhos disfarçavam e diziam que não era coisa de criança, com certeza qualquer comentário a esse respeito já não lhe era totalmente alheio. Você pode considerar-se uma pessoa de sorte, uma vez que este assunto, até bem pouco tempo, limitava-se a conversas entre homens em bares e clubes, fora isso nem se ousava tocar no assunto.
A história da sexualidade é bastante longa e complexa e compõe-se em um campo historiográfico ainda a ser mais bem explorado, contudo, com as bibliografias das quais dispomos é possível fazermos uma breve análise da trajetória do assunto nas diferentes épocas, afinal, a sexualidade não é privilégio (para alguns um problema!) da sociedade contemporânea, pelo contrário, assim como tantos outros assuntos restritos ao público e na maioria das vezes também ao privado, as questões que envolvem os desejos mais íntimos dos homens e das mulheres, sempre nos acompanharam, embora de forma velada.
Sabe-se que o sexo sempre esteve e ainda está ligado a tabus difíceis de serem quebrados, originados de uma sociedade tradicional e conservadora ( ao menos na aparência) pois o que se passava no psicológico de cada um era mantido em segredo, e não admitido nem mesmo para si.
Essa dificuldade em tratar abertamente a sexualidade, estava diretamente ligada a moral Católica, imposta pela Igreja para com seus fiéis. Sexo estava ligado ao pecado da luxuria e ceder as tentações da carne era evidenciar a fraqueza do homem frente a ação do demônio. Mas então como ocorreu a perpetuação da espécie? Se houvesse uma proibição total de certo que a humanidade iria gradualmente envelhecer e se extinguir, a solução foi criar um mecanismo legítimo no meio social para que isso não o ocorresse: o casamento.
O casamento foi a solução mais apropriada para a legitimação do sexo ao menos enquanto a Igreja desempenhava o papel máximo de organização da sociedade. Foi através do matrimônio que uma mulher unia-se para sempre ao homem e teria filhos, herdeiros legítimos que dariam sequencia ao nome da família, sem que pesasse sobre ela a condenação pelo pecado cometido, aliás, a principal função do matrimônio era justamente a procriação  e as relações sexuais só podiam dar-se com esta finalidade. Qualquer método contraceptivo era condenável, bem como o aborto.
Prost (1992, p.87) coloca que “ Na primeira metade do século, casar era formar um lar, lançar as bases de uma realidade social nitidamente definida e claramente visível dentro da coletividade”. Casar, portanto, ao contrário do sexo oculto no casamento, deveria ser um ato público, uma espécie de libertação dos noivos do julgo da sociedade que aprovava a união e os frutos vindos dela.
A união também costumava ser duradoura como coloca o mesmo autor, menos de 15 mil até o começo do século e menos de 30 mil após 1940. Dessa afirmação podemos tirar algumas conclusões que dão credibilidade aos dados. Por exemplo: ser uma divorciada até bem pouco tempo era motivo de vergonha para muitas mulheres, vistas com preconceito e discriminação, se ela tivesse filhos era ainda pior, pois teria que cuidar das crianças sozinha. Em uma época cuja mentalidade ainda era fortemente tradicional e muitas destas mulheres mantinham os costumes, não era fácil  para elas conseguirem emprego que garantissem o seu sustento e o dos filhos, assim não se tem uma estatística de quantas permaneceram caladas frente aos abusos de seus parceiros, sejam eles os vícios ou a violência  física ou psicológica que sofriam.
Prost, porém, coloca que apesar de tantas limitações, em cerca de 80% dos divórcios eram solicitados por mulheres “ quando o marido, alcoólatra por exemplo, não se contentava em traí-las, espancá-las, mas incapaz de atender as necessidades do lar, ainda se tornava um peso.” ( 1992, p. 89). Isso demonstra que com o passar do tempo, as mulheres foram conquistando seu espaço em um mundo nitidamente machista, angariando para si mais consideração e respeito.
Se até meados de 1950, o casamento era basicamente um contrato entre famílias,  baseado na submissão da esposa em relação ao marido e as relações sexuais ocorriam mais por obrigação matrimonial do que por prazer, a partir da década de 1960 essas regras começam a mudar. “A década que mudou o mundo”, diriam hoje muitos sessentões saudosos dos “loucos anos 60”. De fato, os anos de 1960 em diante não fugiram da regra das demais décadas do século XX, em termos de transformações, tendo sim motivos para deixar muitas saudades para quem viveu e para aqueles que gostariam de ter vivido nesta época.
Muito além das revoluções políticas, 1960 foi marcado por revoluções coletivas de mentalidade, rompendo significativamente as barreiras tradicionais até então conhecidas. Foi o avanço da tecnologia aéreo-espacial, a tensão da guerra fria, os partidos de esquerda adquirindo um número cada vez maior de adeptos e envolvidos nesta atmosfera, um novo elemento até então pouco conhecido pelos casais ganha espaço: o amor.
É estranho falar de casamento sem amor hoje em dia, mas era muito mais comum o amor que nascia com a convivência do que a convivência que nascia do amor, até a bem pouco tempo. Esse novo fundamento do matrimônio veio com esta massa de mudanças dos anos sessenta difundida entre a geração jovem da época com sede de transgressão, sobretudo os estudantes universitários que estipularam uma nova forma de convivência com a coabitação juvenil.
Esta forma de união era até então desconhecida, uma vez que só se morava sob o mesmo teto casais legalmente casados, a coabitação juvenil vem questionar muitas regras e chocar à maioria, cuja premissa fundamental desta união era apenas o amor e não mais um contrato. Contudo Vincent (1992) afirma que a coabitação era mais um conservadorismo mascarado do que uma transgressão propriamente dita, pois preservava os mesmos princípios fundamentais de uma união não amorosa, o respeito, a confiança e da dedicação mútua dos cônjuges. Tratava-se de tentar estabelecer uma relação duradoura sem o compromisso assumido “vamos ver se vai dar certo, se não der a gente tenta de novo” seria mais ou menos o lema dos jovens que moravam juntos. “Menos do que uma expressão de contestação social, a coabitação manifesta a vontade dos jovens de darem certo no casamento, permitindo-se antes um período de reflexão: assim, na maioria das vezes, ela é uma antecipação do casamento, e não sua negação.”(Vincent, 1992,p. 283-284)
Esta relativa liberdade de escolha conquistada pelos jovens da segunda metade do século XX deve-se em parte para uma descoberta que atinge diretamente o público feminino: a pílula contraceptiva.    
A utilização de métodos contraceptivos em maior escala, liga-se com a diminuição gradativa da população, com o sexo com a finalidade de prazer e não de procriação, evitar uma possível gravidez indesejada, mas sobretudo permitiu à mulher a ter mais autonomia sobre seu corpo. Ela poderia escolher quando, com quem e quantos filhos ela deseja.

 “ Agora não é só possível recusar ou decidir  ­__ ou seja, planejar os nascimentos, como também liberada da angustia de uma gravidez indesejada, a mulher, separando sua atividade erótica de sua função reprodutora, pode-se busca __e até exigir __uma atividade sexual plenamente gratificante, sem que com isso esteja faltando as regras da decência.” ( VINCENT, 1992,p. 252)

Este foi um dos principais passos para a ascendência da mulher na sociedade, a partir daí podemos afirmar que sua relação com a família, o trabalho, as amizades e consigo mesma tem ganhado cada vez mais espaço no universo feminino, temas que podem fazer parte de uma pesquisa futura. Para finalizar esta pode-se afirmar que a mulher é o eixo central, diretamente ligado com as questões familiares, o casamento, o amor e o sexo, os três tópicos discutidos brevemente neste texto. Além disso, conclui-se que é a partir da transformação da vida das mulheres e de suas Conquistas que os demais campos relacionados irão se transformar. Então homens que valorizam suas mães, esposas e filhas, continuem a apoiar estas guerreiras que estão ao seu lado para que continuem somando vitórias e a nós, mulheres, que tenhamos cada vez mais força para adquirir e manter nossos espaços.


Referência Bibliográfica:
PROST; A. VINCENT; G. (orgs). História da vida privada, 5: da Primeira Guerra aos nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.*


Professora Dhiandra Rahier, formada pela Universidade Paranaense.
Camila

Camila

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